
A anestesia
no paciente
com HIV
Autor: Dr. Luiz Fernando Falcão
Você sabia?
Até 25% dos portadores de HIV precisarão de intervenção cirúrgica em algum momento da sua vida. Saiba qual o papel do anestesiologia nesse caso.
Desde o primeiro relato de morte devido pneumonia por Pneumocystis carini[1] e a identificação do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) em 1981, a incidência de infecção por HIV tem crescido para proporções alarmantes. Em uma média global, 40 milhões de pessoas vivem com HIV. É estimado que 20 a 25% das pessoas com HIV positivo precisarão de alguma intervenção cirúrgica em algum momento de suas vidas[2].
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é uma condição médica complexa. As anormalidades neurológicas, pulmonares, cardiovasculares e hematológicas são de particular interesse aos anestesiologistas[3]. Desta forma, o conhecimento das implicações clínicas do HIV e AIDS é de suma importância para um adequado planejamento anestésico.
Na fase inicial da infeção pelo HIV foram documentados presença de cefaléia, fotofobia, meningoencefalite, depressão, neuropatias craniais e periféricas. A fase tardia pode ser associada a demência, encefalopatia, mielopatia, miopatia e neuropatia periférica. A incidência de neuropatia periférica é de 35% na fase inicial da infecção[1] e de 55% na fase tardia. A disfunção do sistema autônomo também é relatada na infecção do HIV[4]. Estudos demonstraram a incidência de 15% de disfunção cardíaca por neuropatia autonômica nos pacientes infectados pelo HIV[5]. Derrame pericárdico, miocardite, endocardite, cardiomiopatia dilatada e hipertensão pulmonar também são relatados[6]. A incidência de hipertensão pulmonar é de 1:200 pacientes infectados com o HIV enquanto é de 1:200.000 na população em geral. A terapia antirretroviral proporciona redução da incidência de doença pericárdica, porém com o aumento da doença coronariana devido a dislipidemia associada as medicações antirretrovirais[7]. Adicionalmente, pode ocorrer o envolvimento da medula levando a um quadro de pancitopenia. Problemas de coagulação podem variar do estado de hipercoagulabilidade até sangramento por trombocitopenia. Diversas alterações metabólicas foram relatadas no paciente com HIV, entre elas a hiperglicemia, hipercolesterolemia e diabetes melitus.
Pacientes com infecção pelo HIV podem ser submetidos a intervenção cirúrgica mais comumente para drenagem de abscessos, cesariana, emergências abdominais como sangramento e perfurações, biópsia de linfonodo, esplenectomias, colectomias, ulceração perianal, fístulas e linfomas[8]. Desta forma, a avaliação pré-operatória deve ser cuidadosa, tendo-se especial atenção às condições cardiológicas, pulmonares, neurológicas e metabólicas. Exames laboratoriais gerais devem ser solicitados, além de ECG (ou ecocardiograma a depender do resultado do ECG e condição clínica), raio-X de tórax e contagem de CD4 (preferencialmente contagem > 500/mm3). Foi relatado aumento de infeção pós-operatória[9] em pacientes com contagem < 200/mm3.
Existe pouca informação em relação ao risco da anestesia e cirurgia de pacientes com HIV positivo e nenhuma cirurgia deve ser adiada com base apenas no fato do paciente ser portador do HIV[10]. Desta forma, a classificação do estado físico do ASA é mais importante do que o fato do paciente ser HIV positivo quando considerarmos a possibilidade de complicações perioperatórias.
-
Gottlieb MS, Schroff R, Schanker HM et al. Pneumocystis carinii pneumonia and mucosal candidiasis in previously healthy homosexual men: evidence of a new acquired cellular immunodeficiency. N Engl J Med. 1981 Dec 10; 305(24):1425-31.
-
Jeremy Prout et al. Anaesthesia and critical care for patients with HIV infection. Continuing education in anaesthesia and critical care (Indian edition) Vol. 1. 2006.
-
Bradley Hare. Clinical Overview of HIV Disease Laurence Peiperl, Susa Coffey, OliverBacon, Paul Vol berding, eds. HIV knowledge base. chapter. 2006.
-
Villa A, Foresti V, Confalonieri F. Autonomic nervous system dysfunction associated with HIV infection in intravenous heroin users. AIDS 1992 Jan; 6(1): 85-89.
-
Gluck T, Degenhardt E, Scholmerich J, Lang B, Grossmann J, Straub RH. Autonomic neuropathy in patients with HIV: course, impact of disease stage, and medication. Clin Auton Res 2000 Feb; 10(1): 17-22.
-
Giuseppe Barbaro, MD. Cardiovascular Manifestations of HIV Infection. Circulation 2002; 106: 1420.
-
Bergerson BM. Cardiovascular risk in patients with HIV infection. Impact of antiretroviral therapy. Drugs 2006; 66(15):1971-87.
-
Smirnov GG, Buliskeriia TN, Khachatrian NN. Surgical interventions in HIV-infected and patients with AIDS. Khirurgiia (Mosk). 2000; (7): 46-50.
-
Savioz D, Chilcott M, Ludwig C. Preoperative counts of CD4 T-lymphocytes and early postoperative infective complications in HIV-positive patients. Eur J Surg 1998 Jul; 164(7):483-87.
-
San Jones, Clyde B,Cheryl Smith, David N Rose. Is HIV infection a risk factor for complications for surgery? The Mount Sinai Journal of Medicine 2002; 69(5):329.